Harvy Cepiscky - O escolhido
A historia lendária do rei aos 17.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
Durante a escrita destes capitulos que se encontram nos posts mais antigos fiquei pensando seriamente se deveria chegar até aqui. (até o cap. 3, não é muito longe não é?)
Mais agora, ponho-me a pensar se devo realmente prosseguir pois tenho medo de Harvy Cepiscky não venha a ser aceito por voces (o publico). Durante um momento de pesquisa vi comentarios sobre uma possivel historia de que o livro de Christopher Paolini, Eragon, era um plágio descarado da obra de J.R.R.Tolkien. Bom, eu pessoalmente não vi nada de mais, ao ler o livro (e posteriormente a serie), se bem que achei 'meio estranho' o fato dos elfos e da forma que aparentam ser uma sociedade de seres muitos sábios.
Por esse motivo eu pretendo não aprofundar o universo deste livro. Espero fazer isso em Hugh Dakin!!!
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Capitulo Três - As previsões de Wendrix
A festa acabara e um novo dia surgiu. O sol raiou sobre as distantes montanhas pedregosas nevadas ao leste, iluminando de uma só vez todo o reino com sua luz.
Os campos amanheceram verdejantes, mais do que o normal, e sobre esse campo as primeiras flores começaram a desabrochar. Já nos bosques as primeiras árvores frutíferas começaram a florescer e as abelhas amarelas começaram a zunir por todos os lados, dividindo o espaço com os belos e delicados beija-flores que pairavam sobre as flores das macieiras cobertas por orvalho.
Os camponeses começavam a encher as estradas da região com uma frenética ida e vinda de Port-Aux e de Wellsexnstein, vinham desses destinos com inúmeras coisas, destas bugigangas a alimentos mais sofisticados. E eram tantos que passavam na estrada de charretes que ninguém percebeu um velho senhor que se dirigia ao Entorno.
Harvy já estava acordado desde bem cedo e naquele instante, estava sozinho em casa. Mais precisamente no estábulo; estava a limpá-lo. Esse era uma das tarefas que Harvy menos gostava, pois ninguém merece limpar esterco com os sapatos na lama.
As vacas já estavam ordenhadas e se encontravam num pasto distante, próximo ao Templo. Havia um grande jarro de metal do lado de fora à espera do menino. Os seus braços já começavam a doer e a cada vez que virava a pá dentro de um grande saco de pano sentia leves dores nos músculos.
Minutos depois, quando já havia acabado o serviço, pegou a jarra e voltou com ela para casa. Seus pais não estavam lá, pois haviam ido até a casa dos Devinares tratar de negócios.
O tédio começava a tomar conta de Harvy. Aquela era uma típica manhã onde não se havia nada a fazer. Subiu a escada e deitou-se em sua cama e lá ficou pensando no que Boreimdall havia tido na noite da festa. Por que será que aqueles seres estavam a andar às soltas pelo reino? Será que os rebeldes iriam resistir por mais tempo? Essas eram algumas de suas perguntas. As respostas não eram nada animadoras; a idéia de ver Boreimdall partir também não o animou.
Minutos depois ouviu uma algazarra vinda do térreo. Curioso saltou da rústica cama e desceu a escada. Sorrateiramente deslizou a cabeça pelo corredor e viu Alberich e Friya adentrarem a casa seguido de um velho de cabelo e barba brancos, vestindo uma túnica cinza e portando uma longa e fina vara.
“Quem será?”, pensou ao ver a figura. Sorrateiro desceu.
— Entre, entre. Fique à vontade. – falou Alberich com um largo sorriso que logo sumiu ao ver Harvy no começo da escada.
— Quem é o garoto? – perguntou o velho com um olhar solene. Seus olhos encontraram os de Harvy que logo procurou desviar o olhar ao sentir um estranho arrepio.
Alberich franziu a testa à pergunta, como se pensasse que o convidado já soubesse quem era o menino, mas mesmo assim respondeu:
— É Harvy, nosso filho. Harvy este é Ranuran, o Lorde. Amigo nosso de longa data; vai passar alguns dias aqui conosco. Visto que sua casa foi ocupada por cupins. – enquanto Alberich falava Harvy mantinha seus olhos nas pontas enlamaçadas do sapato e nada dizia. Embora nada dissesse ficava imaginando o porquê aquele velho tinha um codinome de “Lorde”, já que não se parecia muito com um.
— ‘dia Harvy. Ele é bem grande, não? – perguntou se dirigindo à Friya que respondeu.
— Sim, dezessete anos. Venha, venha, sente-se aqui; irei preparar um chá e... – sua voz foi se perdendo enquanto conduzia o convidado cozinha a dentro.
Alberich ficou encarando Harvy que lentamente subiu de volta a seu quarto.
*
A manhã se findou em densas nuvens cinzas que trouxeram uma grossa cortina de chuva; era impossível reconhecer aquele começo de tarde com o começo da manha, mas nada mudou para Harvy, pois ainda se encontrava em tédio em sua cama.
Ainda era possível ouvir a conversa dos três abaixo, que parecia estar bastante animada, pois gargalhadas soavam constantemente. Harvy não sentia vontade em participar da algazarra. Tudo parecia ir de mal a pior para Harvy que lentamente ia se afundando em tédio, quando ouviu uma voz distante chamar pelo seu nome. De inicio a voz não parecia real, mas depois se tornou quando Friya surgiu por uma fresta da porta dizendo:
— Harvy, Rol está te chamando.
Ela não precisou repetir isso mais vezes, pois Harvy rapidamente sumiu dizendo um breve: “já volto.”. Ao passar pela cozinha viu de relance Alberich sentado ao lado de Ranuran, onde conversavam com olhares tensos. O que conversavam Harvy não pode ouvir.
Do lado de fora, junto a uma arvore encontrava-se Roland. Vestia a típica roupa de camponês e segurava em seus braços um livro muito grosso.
— Espero não ter estragado muito coisa. – desculpou-se Rol.
— Não foi nada. Então? O que quer?
— Você quer ir comigo até a casa de Wendrix? Assim você pode ver uma aula.
— Claro. – respondeu imediatamente – Qualquer lugar é melhor que ficar aqui.
Ninguém falou nada até já estarem na estradinha; quando atingiram a bifurcação foi que Harvy perguntou parando defronte a placa de madeira:
— Pra que lado vamos?
— Sentido Port-Aux. – respondeu-lhe Rol já indo à frente.
— Quem é o velho que está na sua casa Harvy?
— Na verdade eu não o conheço. É um amigo do meu pai, apenas. — até aquele instante não dera muita importância para o convidado, a não ser pelo jeito excêntrico de suas vestes.
A chuva que caíra a pouco, acabou por dificultar um pouco o percurso, pois deixara a estradinha barrenta e os meninos agora andavam com cuidado para não afundar seus pés nas grandes poças de lama que o cercavam por todo o caminho.
Harvy olhava curioso, pois não se lembrava de ter passado por aquele percurso. Ali a estradinha era ladeada por bosques, de ambos os lados e somente em alguns pontos era possível avistar as colinas que se estendiam por trás do bosque. E sobre suas cabeças as grossas nuvens cinzas se moviam para o norte fazendo parecer que se uniam com as colinas de cor cinza, distantes; uma brisa gélida sacudia de leve a copa das arvores, derrubando as ultimas gotas restantes da chuva.
— Será que Boreimdall falava serio quando disse que partiria para junto dos rebeldes? – perguntou Rol num tom desacreditado.
Antes de responder Harvy deve que saltar sobre uma grande poça; assim que seus pés tocaram o chão, disse:
— É provável que sim. Repito o que eu havia dito: acho certa a iniciativa dele.
— Embora seja perigoso.
Enfim chegaram a um ponto onde a estrada descia a encosta. Aquela era uma das paisagens mais belas que Harvy já vira. Não havia mais fazendas naquele ponto e somente era possível avistar moinhos a uma distancia considerável. Agora não havia mais bosques ladeando a estradinha; esta se achava em campo aberto cercado apenas por colinas verdejantes.
— Chegamos! – exclamou Rol apontando para uma torre mediana no cume de uma colina afastada da estrada.
Harvy seguia logo atrás de Rol. Seus olhos analisavam atentamente a torre do que seria a casa do feiticeiro Wendrix.
A torre era toda de pedra, comprida e cinza, com musgo nas brechas das pedras. Onde deveria haver ameias, havia um telhado vermelho com uma janelinha redonda. Em seu comprimento havia mais algumas janelas que eram mais parecidas com finas fendas. Já na base, Harvy pode notar que a torre era sustentada por algumas estacas grossas de madeira; ligando o chão à porta oval, de cor vermelha já desbotada, havia uma curta escada de ferro com poucos degraus.
Rol subiu na escada de ferro que dava acesso à porta e bateu.
Toc, toc, toc. Decorrido um tempo a porta se abriu de uma forma pesada.
Um homem bastante velho colocou a cabeça pela fresta aberta. Era careca e seus olhos pretos saltaram ao ver Harvy. Seu nariz era horrivelmente longo – porém não anormal – não possuía sobrancelhas e em seu queixo era pontudo. Aquilo não era uma feição de mago, segundo Harvy.
— Ah... Roland, quem é este menino? – perguntou Wendrix com uma voz fina ainda só com a cabeça do lado de fora.
— Ele é Harvy Cepiscky. O amigo de quem falei.
Wendrix franziu a testa, tentando se recordar, até que disse num tom aliviado:
— Ah, o desocupado. — Harvy lançou um olhar sorrateiro para Rol, que fingiu não ver. Wendrix abriu totalmente a porta e completou no instante em que uma brisa os atingia. – Entrem, entrem.
Rol entrou primeiro e Harvy ao passar pela porta sentiu um arrepio; com um olhar rápido notou um símbolo no topo da porta: um olho dentro de um circulo.
Um cheiro doce enjoativo foi a primeira coisa que Harvy notou a pisar dentro da casa do mago. Esse cheiro envolveu suas narinas e em seguida sua cabeça; sentiu uma leve tontura e depois voltou a si.
Estava num cômodo redondo, incrivelmente apertado e bagunçado; no lado oposto a entrada, se achava um grande caldeirão, sobre uma mesa de pedra e ao lado de grandes tubos de ensaio que continham um liquido vermelho em tom escuro. O caldeirão de cobre borbulhava em cor verdes e emitia uma fumaça aveludada que subia em espirais perfeitas na direção do teto cinza onde se dissipava. O lugar tinha três estantes juntas às paredes com vários tamanhos de livros; no centro havia uma grande mesa circular de madeira, sem cadeiras. No teto havia um grande lustre de ferro, com velas acessas presas às pontas. Nas paredes não haviam quadros ou qualquer outra decoração; eram nuas e nenhum carpete existia debaixo de seus pés, somente um duro chão empoeirado de pedra. Do lado direito, de onde borbulhava o caldeirão se achava outra porta quadrada que ligava aquele com outros andares da torre. E no chão, em toda parte, se encontravam pergaminhos espalhados e garrafas vazias de vidro que somente davam a aumentar a sensação de bagunça. Havia um esqueleto pendurado junto à grande fenda que era a janela e por ela transpassava a luz sombria do sol, que parecia evitar aquele lugar.
Harvy olhava admirado a cada detalhe; seu olhar foi caindo do teto até pausar novamente em Wendrix e reparar que ele vestia uma longa veste roxa. Por algum motivo Harvy não sentira medo; com certeza pensaria que Wendrix fosse uma farsa, se não vise sua casa. Tentou disfarçar um sorriso e como não conseguiu fingiu afastar os cabelos da testa.
— Encantado com minha humilde casa? — perguntou o feiticeiro com o rosto bem proximo ao de Harvy. — Ela causa esse efeito nos mais... fracos. — e deu um sorriso amarelo.
— Vim devolver o livro. – falou Rol que como já estava familiarizado com o ambiente não olhava admirado para nada.
Ao fundo Wendrix fez a porta fechar com um estridente barulho. O único som ali era o borbulhar do caldeirão.
— Ótimo, espero que tenha entendido o que propus. – falou Wendrix que agora ajeitava em sua careca um chapéu pontudo roxo.
O feiticeiro foi até uma estante e pegou algo que Harvy não pode identificar. Virou-se para os garotos e perguntou lançando um olhar para Harvy:
— Você acredita em magia, garoto?
O menino havia sido pego de surpresa; nunca pensara nesse assunto e também não via Wendrix e suas lições à Rol como algo mágico de verdade, via apenas truques. Embora o ambiente fosse bastante convencedor respondeu.
— Acho que não.
Wendrix riu. Então começou a lançar sobre a mesa circular, as cartas de um baralho; após espalhar todas olhou para Harvy novamente e perguntou:
— Gostaria de tentar a sorte?
Olhou para Roland que deu de ombros como quem diz: tente.
— Vamos lá então. – respondeu Harvy totalmente desacreditado naquela coisa ridícula que estava prestes a fazer. Aproximou-se da mesa e olhou calma e atentamente para cada carta ali posta com a parte do desenho para baixo.
— Vamos escolha uma. – falou-lhe Wendrix com um tom estranho de voz. – cada carta representará coisas distintas, na formação final. Então dessa forma poderei dizer algo sobre o seu futuro próximo.
— Eu não acredito nessas coisas. – respondeu desacreditado e com certo receio em prosseguir.
— Então o que lhe custará tentar? Tem medo? – o feiticeiro olhava de forma penetrante e o sorriso amarelo que apresentou não melhorou nada.
— Tudo bem.
Foi se aproximando até ficar praticamente sobre as cartas. Olhava as estranhas letras que estavam escritas na superfície branca do objeto e sentia uma estranha pressão. A sensação se assemelhava como se estivesse dentro d’agua; era confortável ali, embora preocupante. Sentiu-se um pouco tonto e foi despertado ao ouvir a voz de Wendrix que repetia a pergunta.
Novamente olhou para as cartas, concentrado; estendeu a mão para uma delas e então sentiu sua mão, involuntariamente, repousar e puxar uma carta. “Incrível!”, pensou. A estranha energia que o fizera se sentir dentro d’agua havia escolhido a carta.
Levantou-a a altura dos olhos e entregou para Wendrix que falou:
— A magia escolhe a carta do seu destino, filho. Vejamos.... Oh, a ancora. – e apresentou a carta à Harvy. A superfície branca da carta agora tinha o desenho bem feito, por sinal, de uma bela e velha ancora que estava entre o céu cheio de nuvens ladeado por um sol e uma lua minguante e o mar agitado. – Pegue outra.
Novamente Harvy procedeu da mesma forma. Involuntariamente sua mão repousou e puxou uma, duas vezes mais. Vez por vez levantou e entregou-as para o feiticeiro que disse:
— Trindade. Perfeito, perfeito. Vejamos... A ancora... A espada – essa carta era representada por uma única espada sendo segurada por um braço de um guerreiro. —... e a morte. – essa ultima carta deixou Harvy com um mal pressagio. Não sabia se devia interpretar aquela da forma que era apresentada.
No inicio de tudo não dera importância aquilo, que julgou ser uma idiotice, mas agora começava a se preocupar com aquilo.
— E o que significa? — perguntou ancioso.
Wendrix baixou a cabeça, fez uma pausa e recitou:
— “Sua jornada acaba e uma nova jornada começa. Os ventos antigos irão novamente balançar as arvores e os pássaros irão voar para a nova montanha.”
— É o que dizem... Uma nova fase ira começar. – Harvy ficou parado, em êxtase, não compreendia muito bem os dizeres da frase. “Como assim? Nova jornada?”, pensou. Não se via numa vida diferente daquela que já levava de forma branda. – Algo irá despertar isso... Lembranças passadas, talvez.
— Impossível! Não tenho nada de errado ou mal-feito no meu passado. – contou Harvy, que estava relutando a aceitar a situação. Afinal, não acreditava em magia.
— Então não há o que temer. — falou a voz rouca de Roland, atrás de Harvy.
— Vamos Rol? – perguntou Harvy encarando o feiticeiro que agora recolhia as cartas da mesa. Harvy ainda se sentia intrigado com o havia acontecido.
— Garoto as cartas nunca mentem.
— Adeus Wendrix, precisamos ir agora.
Roland se precipitou a abrir a porta e ficou aguardando Harvy que as passou o mais rápido que pode.
Já de volta para casa, enquanto caminhavam a passos curtos debaixo de uma fina garoa Harvy pensava furtivamente sobre a nova jornada. Não compreendia, embora tentasse ligar o fato com todos os acontecimentos ocorridos.
— Será que tem algo a ver com Boreimdall? — perguntou Roland timidamente — Vai ver, ele irá te chamar para ir junto.
Até aquele instante Harvy não havia pensado naquilo.
— Rol. — perguntou Harvy parando no meio da enlamaçada estrada. Sobre suas cabeças as nuvens passavam um tanto baixas despejando mais agua sobre o Entorno. — Será mesmo que Boreimdall quer que eu vá com ele? Será que foi por esse motivo que ele nos chamou para aquela conversa?
Ambos os garotos estavam parados no meio da estrada já a alguma distancia da casa de Wendrix. A garoa aumentou de intensidade e virou um leve chuva que começava a banha-los.
O corpo de Harvy já estava todo molhado e seus cabelos já se achatavam contra a testa fazendo pingar por todo rosto. Roland estava na mesma situação e por esse motivo, ambos não se precipitaram a voltar para casa.
— É provavel. Afinal, faz sentido não? — perguntou o amigo. — Essa seria sua nova jornada.
— Não! Se realmente for isso, então derei que dizer “não” à Boreimdall. Não vou me arriscar por aí.
Prosseguiram na caminhada. Como estavam em campo aberto o vento os atingia com mais intensidade o que fazia aumentar a sensação de frio.
— Concordo com você. – respondeu Rol melancolicamente.
Houve uma pausa, tempo que gastaram para chegar na bifurcação, na entrada das fazendas.
— Rol. — chamou a voz de Harvy.
— Sim? – respondeu a de Rol
— Você acha que eu devo, realmente, crer nessa coisa?
— Não sei, Harvy... não sei.
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
Capitulo Dois - Boreimdall
Dezessete anos haviam se passado deste que Ranuran e Alberich tiveram aquela conversa. Naquela manhã Alberich adentrou a casa e logo tratou de colocar o cesto bem próximo à lareira, onde se certificou que o bebe ainda dormia, vivo.
Houve uma curta discussão entre o casal no instante em que Friya descera à cozinha e perguntara curiosa dirigindo-se a cesta: “Ora, mas o que é isto?”, Alberich então a contou tudo o que havia se passado. Friya gritou, esperneou e depois assentiu que deveriam ficar com a criança. O nome foi dado, e o nome era: Harvy.
Harvy Cepiscky cresceu naquele universo calmo e aconchegante. Durante os anos que se passaram Alberich e Friya nunca o contaram quem realmente era, e que era filho adotivo. A criança cresceu e os problemas não vieram, um grande alivio para Alberich, embora Harvy fosse um menino hiperativo.
Embora o menino não fizesse nada de excepcional, Harvy era um tanto peralta e por esse motivo seus vizinhos o viam com maus olhos e diziam.
– Não é normal e trará problemas.
Contudo Alberich não reclamava, mas também não entendia porque uma criança era tão agitada daquela forma. Apenas se perguntava por que Ranuran nunca mais aparecera.
Conforme Harvy ficava mais velho essa pergunta batia cada vez mais na porta de Alberich, que ainda não conseguia achar uma resposta. Os anos se passavam e Alberich e Friya iam ficando mais preocupados, porém quando o menino fez onze anos, finalmente receberam uma mensagem de Ranuran, porém nada animador.
De todos os vizinhos que tiveram, os únicos que nunca crucificaram Harvy foram os Devinares. Uma família de gente risonha e alegre que às vezes faziam visitas aos Cepisckys. A mãe era Rozar Devinar, uma mulher gorducha que sempre usava um avental sobre o vestido florido e um tanto remendado. Tinha um rosto redondo e belo, com grandes bochechas rosadas e cabelos alaranjados e olhos verde-esmeralda. Se gostava de fazer algo, era fazer bolos. Seus bolos eram os melhores e mais gostosos da região e em seu estabelecimento na entrada do Entorno, era possível ver gente de todas as partes, era chamado de Casa de Bolos e Tortas, Devinar. O pai era Graminguel Devinar, um homem de finura incrível e bastante alto, era sempre alegre; seus cabelos eram pretos e cacheados e como a calvície já o havia pegado, seus cabelos cresciam somente nas partes laterais e na traseira da cabeça. Tinha um nariz um tanto avantajado e olhos tão pretos quanto seu cabelo. Trabalhava junto com Rozar na casa de bolo. O filho, e melhor amigo de Harvy, era Roland Devinar, um garoto magro, tímido e alto de cabelos pretos e olhos verde-esmeralda. Trabalhava com seus pais na Casa de Bolos e nos tempos vagos tinha aulas de magia e já era um Aprendiz. Havia conhecido Harvy ainda muito pequeno e nunca o abandonara em tempos difíceis, mesmo quando o amigo era “perseguido” pelos vizinhos.
O inverno havia ido embora, e foi numa bela manhã de primavera quando os campos ficaram verdes e as tulipas floresceram tanto um toque roxo, azul e amarelo na paisagem e as abelhas começaram a zunir pelas arvores que Rozar surgir apresada pela estradinha de terra batida. Adentrou rapidamente a propriedade dos Cepiscky e foi bater na porta de madeira da rústica casa.
Toc, toc, toc. Seu rosto era de alegria e parecia bastante animada. Seu avental ainda estava sujo de farinha. A porta abriu-se e dela surgiu Friya com um olhar surpreso ao ver Rozar ali, naquela hora do dia.
— Olá Rozar, entre vamos! Acabei de preparar um bule de chá de maça. – dizia enquanto abria passagem para a mulher entrar. Friya fechou a porta e dirigiu-se para a amiga. – O que houve? – perguntou após perceber a animação saltando para fora de si.
A cozinha dos Cepiscky era pequena e aconchegante. Tinha uma mesa de madeira com quatro cadeiras, no centro; tinha uma estante de carvalho á direita, e de frente para esta tinha uma espécie de pia; no lado oposto ao da entrada, próximo da janela, ficava uma lareira e dentro desta havia um caldeirão de ferro, onde Friya preparava a comida. Naquela manhã o cômodo estava bastante enfeitado. Havia um grande vaso com frutas e flores no centro da mesa. No batente da janela, que estava aberta, e com as cortinas vermelhas amarradas junto às extremidades, para facilitar a entrada da luz do sol, havia um pequeno vaso de barro com uma grande tulipa roxa.
Rozar sentou-se sem cerimônia. Esparramou-se no assento e fungou como se tivesse vindo de uma maratona. Com as bochechas ainda mais rosadas falou com certa dificuldade.
— Os Rudescos irão... dar uma festa hoje... – Friya pôs numa xícara de porcelana branca um pouco do chá que acabara de preparar.
— Fiquei sabendo, Alberich me contou. Aniversário do Robben? – perguntou indo até a pia onde após repousar o bule, virou-se, e se recostando no móvel esperou pela resposta de Rozar.
A Devinar assentiu enquanto mergulhava a cabeça rosada dentro da xícara para degustar um pouco daquele chá que enchera a cozinha com o cheiro de maça.
— Esta bom. Quando soube? Era para ser confidencial.
— Então, desta forma, nem você deveria saber.
— Só sei por que o neto dele, o Bill... aquele que vive na Taberna do Tarvo... bom ele estava bêbado e entrou na minha loja; não que eu tenha ficado prestando atenção na conversa dele, mas é que ele falava alto demais e o ouvi comentar sobre a festa. E você não vai acreditar! – falou e depois tomou outro gole.
Friya era amiga de Rozar deste muitos anos atrás, e embora raramente saísse para Port-Aux, ela sabia tudo que se passava por lá, pois como a Casa de Bolos e Tortas dos Devinares era um ponto bastante movimentado tinha gente de inúmeros lugares e desta forma Rozar ouvia historias dos viajantes e depois as repassava para Friya que no fundo até gostava.
— Me convidaram para fazer os bolos.
— E quando é a festa?
Rozar tomou mais um gole e então disse:
— Hoje à noite.
*
Muito longe da casa dos Cepiscky onde Rozar contava o que lhe havia acontecido, como se tivesse triunfado sobre um troll das montanhas, estava Harvy, sentado num galho de uma arvore bastante grande, no meio do campo.
— Não é certo pegar as maças Harvy! É do rei! – gritava uma voz próxima ao tronco, no chão.
— Eu cuspo na cara dele. – retrucou Harvy dando uma grande mordida na bela fruta vermelha e doce, seguido de uma gargalhada.
— Devemos obedecer às regras que chegam. Você devia ser mais obediente. – Harvy riu em deboche. A voz que falava pertencia ao seu melhor amigo, Roland Devinar. Agilmente pegou mais cinco maças graúdas e socou-as dentro de um saco de peno velho. Preparou-se e pulou do galho da arvore caindo bem do lado do amigo que estava sentado, recostado no tronco, lendo um livro.
Harvy era um garoto que não exibia músculos ou coisas do tipo. Era alto e tinha cabelos castanhos pendendo para o preto. Tinha um rosto bastante charmoso, com olhos castanhos. Vestia um suspensório cinza e por baixo vestia uma camisa parda. Embora estivesse descalço não se incomodava em pisar no chão salpicado de pedras e raízes. Roland (como já foi descrito) vestia uma camisa branca por dentro de uma calca parda e também estava descalço. Uma de suas maiores paixões era ler livros e agora lia um livro intitulado: “Os feitiços dos magos do norte”; há pouco menos de um ano vinha recebendo aulas de magia com um mago que Harvy nunca havia visto, mas sabia que se chamava Wendrix. Roland era ainda Aprendiz, mas às vezes mostrava à Harvy alguns truques aparentemente complicados.
Durante algum tempo Harvy havia sido posto contra a parede por seus pais, pois Friya e Alberich imploravam-no que seguisse em algo, ao invés de ser um mero camponês, mas Harvy fazia cara feia e dizia que iria continuar com a fazenda e seus afazeres. Embora soubesse que tinha algum dom para a área da magia, não queria reconhecer isso e já se fazia de esquecido do incidente com as aboboras.
— Por que você não tem aulas de magia comigo? Poderia pedir para Wendrix te ensinar também. Ele diz que sempre esta disposto a ensinar mentes desocupadas.
Harvy arrumou o saco de panos nas costas e lançou um olhar fulminante para Rol que fechando o livro levantou—se. Harvy disse:
— Não sou desocupado Rol, apenas não acho algo que me agrade. – virou-lhe as costas e caminhou pela a fantástica paisagem verde que era os campos do Entorno.
Caminhando logo atrás dele vinha Rol. Assim que deixaram a sombra da macieira o Devinar falou calmamente:
— Está bem então. Afinal, não vamos brigar por uma coisas dessas!
Harvy assentiu discretamente. Ao longe, na direção sul, era possível ver os moinhos que tinham suas gigantescas hélices circulando com a velocidade do vento moendo os grãos de trigo. Igualmente ao longe, na direção leste, era possível ver no horizonte o Templo, no cume da Colina Grande.
A Colina Grande embora não fosse se assemelhava com uma montanha pela altura, porém seu cume não era pontudo e sim redondo, onde se erguia o Templo. O Templo era uma grande e colossal construção feita vinte anos antes do nascimento de Harvy. Toda de mármore parecia com uma torre de um Castelo. Tinha ameias quadradas, belas. Na superfície de suas brancas paredes se abriam fendas longas e estreitas, que eram as janelas. Entre a Grande Colina e onde Harvy estava não havia bosques, havia um inicio de um brejal que ali se estendia para o norte, contornando a Grande Colina. Próximos ao brejal havia plantações e dois moinhos, pouco distantes um do outro. Inclusive um desses moinhos era lar de um dos amigos de Harvy. Ali havia pedras que brotavam lisas do chão, sem nenhum musgo e com formas estranhas o que davam um ar mágico à paisagem. Uns diziam que eram trolls e anões que demoraram muito para voltarem para suas cavernas, e então o sol pegou-os, fato que ninguém duvidava.
O sol brilhava forte embora coberto por finas nuvens cinzas que lentamente se locomoviam.
— Harvy, é hoje! – exclamou Rol parando de abrupto ao lado do amigo. Harvy não entendia o que Rol queria dizer; então franziu a testa. Rol completou. – Boreimdall volta hoje!
Boreimdall um mercenário conhecido dos dois e vivia a maior parte do tempo fora; as suas aventuras variavam como: de migrar para vilarejos no meio do nada e livrá-los de animais, ou até sair em terríveis caçadas pelas montanhas atrás de trolls; sua morada no Entorno era num velho moinho abandonado às margens do Raso, fato que era constantemente questionado por Harvy, pois sendo Boreimdall um mercenário ele deveria ganhar algum ouro, e então ter no mínimo uma boa casa, porém a única coisa que Harvy via durante as visitas eram belas espadas, lanças e armaduras.
— Como sabe? – perguntou ao se lembrar.
Prosseguiram a caminhada.
— Ouvi de um homem estranho lá na loja. – afirmou Rol.
— E o que garante que é verdade? Boreimdall já não aparece há mais de seis meses. – questionou Harvy. Sabia que Boreimdall raramente se ausentava do povoado por longo período de tempo, mas também nada sabia da vida de um mercenário.
— Bom... – começou Rol. —... no geral o que se fala por lá é sempre verdade. Os homens ficam lá conversando e se esquecem de falar baixo então nós ouvimos – com “nós” ele quis dizer os Devinares. – Porém este falava em sussurros.
— Então como ouviu?
Rol não respondeu. Continuaram a caminhada. Harvy franziu a testa naquele momento, pois pensava; não sabia que Boreimdall tinha amigos além deles pelas bandas do Entorno.
Enfim chegaram à estradinha e continuaram a seguir caminho na direção de suas casas. Ninguém mais falou qualquer palavra. Se fosse verdade o que Rol lhe dissera, então tinha que encontrar Boreimdall naquela noite.
*
Já era noite quando se ouviu o romper dos fogos-de-artificios, estourando no céu. Rasgando a escura noite com fintas vermelhas, amarelas, roxas e verdes que brilhavam sobre as propriedades em volta da Grande Colina. Logo após chegar a casa Harvy foi surpreendido por Friya, que lhe informara sobre a festa. De inicio relutou, mas aceitou após saber que os Devinares iriam; ainda se perguntava: como iria fazer para ver Boreimdall chegar? Será que ele também iria para a festa? A provável resposta era: não! Afinal o mercenário não era bem visto pelos Rudescos.
Durante toda aquela tarde Harvy não vira mais Roland, pois este ficara todo o tempo, após chegar do campo, com a mãe ajudando a preparar os bolos. Sob os estampidos dos rojões uma voz gritou:
— Vamos logo Harvy senão chegaremos tarde! – gritava Friya já do lado de fora da casinha de pedra.
O menino desceu a escada aos tropeços. E em meio ao breu da noite corria para a charrete de seu pai, arrumando a gola e a manga de seu casaco azul-marinho. Fechou a porta da casa numa única batida e com um pulo se sentou ao lado da mãe. Friya vestia um belo e formoso vestido de cor rosa; seus cabelos negros estavam presos num coque. Seu pai, Alberich, vestia um suspensório verde-limão, camisa branca e casaco preto.
— Heia. – gritou Alberich batendo com as rédeas no cavalo branco que puxava a charrete. Logo saíram da propriedade e alcançaram a escura estradinha de terra onde Harvy falou.
— Esta muito charmosa mãe. – elogiou Harvy.
— Muito obrigado. Se comportem, os dois – falou rígida contraindo os lábios – não quero passar vexame em frente aos Rudescos.
Harvy ajeitou novamente a gola do seu casaco e ajeitou-se no duro banco de madeira da charrete.
A noite rugia sobre suas cabeças. Era quase impossível ver muita coisa à frente, mas Alberich, confiante em sua pericia, prosseguiu pelo caminho estreito. Das outras fazendas que existiam adiante começavam a surgir os contornos das rústicas charretes que logo tomavam frente no caminho.
À medida que chegaram à bifurcação já havia varias outras charretes à sua frente, todas enegrecidas na densa escuridão do Entorno. Ao longe Harvy via vaga-lumes piscando, subindo e descendo do matagal que havia à beira do rio Colinas. Fazia um estranho calor naquela noite, porém ninguém reclamou. O garoto apurava a visão para tentar identificar se algumas das charretes a frente eram a dos Devinares, mas logo depois desistiu.
O caminho da bifurcação até o Templo era longo, e depois de aproximados vinte minutos chegaram numa elevação; haviam chegado ao sopé da Grande Colina. Do topo, podia se ver o Templo surgindo, como se emergisse do chão. Aos poucos a sua brancura, que agora reluzia às luzes das tochas e das fogueiras, ia se revelando junto com as ameias de mármore que estavam delicadamente enfeitadas com cordas feitas de diversas flores e panos vermelhos, roxos e azuis, delicadamente pintados, que estavam presos às janelas. Harvy levantou-se de seu lugar, mas logo foi puxado de volta por Friya que fez uma careta.
Assim que se aproximavam do cume podiam ouvir a musica da orquestra, onde se percebia uma flauta, uma gaita e um violino que tocavam em conjunto uma musica ritmada e feliz. Harvy pulou da charrete assim que esta parou no cume da Grande Colina.
Havia muitas barracas e uma grande fogueira no centro, bem diante do majestoso portão do Templo. Vários convidados dançavam de braços dados uma típica dança sulista em volta da fogueira ao som da flauta. A certa distancia, também próximo a uma barraca, desta vez pequena e roxa achavam-se dois adultos que atiravam rojões coloridos para o céu. Harvy ficou maravilhado ao ver o rojão verde subir serpenteando no céu e depois explodir na altura das ameias do Templo, transformando-se em vários pequenos pássaros que passaram a voar para um bosque que havia na encosta norte da colina.
— Harvy! – gritou uma pessoa pondo a mão no ombro do Cepiscky. O garoto logo se virou e viu Roland. Ele estava com seus cabelos penteados de lado e vestia um longo sobre-tudo roxo e por baixo um suspensório preto.
— Roland, onde está sua mãe? – perguntou Friya logo ao reconhecer o garoto.
Houve uma pausa, pois a gritaria se acentuara em volta da fogueira, pois a dança chegava a seu ponto máximo. Logo depois disso Rol respondeu:
— Esta dentro do Templo; esta arrumando os últimos detalhes do bolo.
Friya logo se retirou e rumou para dentro do Templo. Alberich já havia desaparecido nesse meio tempo e agora se achava de braços dados na dança em volta da fogueira.
— Essa dança é muito complicada – comentou Rol olhando de longe os participantes saltarem e sorrirem ao som da flauta e do violino.
Por um breve instante Harvy havia se esquecido de Boreimdall, e quando a musica cessou Harvy voltou a si e então questionou:
— Rol, e Boreimdall? Ele virá para a festa?
— Não sei, mas é provável que não, afinal, quando foi que ele se familiarizou com os Rudescos?
Harvy assentiu e nada disse depois; surgiu, pelo caminho percorrido anteriormente pelos Cepiscky, uma bela e formosa carruagem puxada por um grande e belo alasão branco com crinas delicadamente amarradas em transas. A carruagem era indiscutivelmente a maior de todas, em comprimento; era preta e tinha nas arestas de sua bela cobertura detalhes floreados a ouro. Sua cobertura se projetava e terminava numa ponta, como o telhado de uma casa. Aquela foi uma das coisas mais luxuosas que Harvy já havia visto. Havia também detalhes de ouro próximos a bela maçaneta da porta e suas grandes quatro rodas eram de ferro; uma raridade vista somente em carruagens reais, pois as dos camponeses se limitavam a duas rodas de madeira.
No instante em que essa carruagem surgir todos pararam o que faziam para apreciar.
— Uau! – exclamou Rol.
Lentamente a porta foi aberta pelo cocheiro. De dentro saíram: um velho senhor corcunda com um nariz adunco e com apenas um punhado de longos fios de cabelos grisalhos que se estendiam da ponta da testa até o final de seu pescoço. Estava vestido com um agasalho de pele na cor roxa e se apoiava numa bengala fina e preta.
— Robben. – sussurrou Rol ao ouvido de Harvy. – Ainda consegue andar nessa idade. – Harvy riu.
Logo atrás dele surgiu um homem jovem, forte com ombros largos e cabelos longos, pretos, vestia uma veste dourada. Era Bill. Este pegou pela mão do avó e levou-o para dentro do Templo, enquanto Robben cumprimentava a todos com leves e discretos acenos da mão enrugada.
Todos estavam com as atenções voltadas para a chegada dos Rudescos e única coisa que não havia parado era a dança em volta da fogueira. Foi por volta deste instante, em que ninguém prestava atenção aos garotos que um objeto foi lançado de dentro da orla do bosque. O projétil percorreu o ar até atingir em cheio a cabeça de Harvy que se contorceu de dor:
— Mas que... – exclamou levanto uma das mãos à cabeça que doía agudamente.
— O que? – perguntou Rol olhando surpreso para o amigo.
— Algo me... atingiu. – respondeu Harvy ainda sentindo muita dor.
— Boreimdall! – Rol olhava para a orla do bosque onde era possível ver os contornos de um homem magro, quase esquelético que com uma passada para trás, se envolveu em sombras e sumiu parcialmente.
Harvy não estava entendendo nada.
— Harvy, ele chegou está lá. Foi quem jogou a coisa. Vamos! – Harvy não teve tempo para protestar, pois foi puxado pelo braço por Rol que o conduzia em direção à orla.
Enquanto caminhavam cuidadosamente para dentro do bosque Harvy meio que relutava e apenas prosseguiu por vontade própria após ver o rosto branco do amigo mercenário.
— É ele! – afirmou Harvy.
Já a algumas passadas dentro do escuro bosque onde as arvores cresciam um tanto separadas umas das outras, Rol perguntou para o vulto que já se encontrava a vários metros a frente.
— Boreimdall como foi a viagem?
— Me sigam... – falou Boreimdall com uma voz grave sumindo pela penumbra do bosque.
O terreno descia numa forma íngreme e Harvy quase tropeçou numa raiz exposta de um grande pinheiro ao seu lado, pois não havia iluminação a única eram as das distantes barracas no topo da Colina, que eram praticamente inúteis e Boreimdall se esgueirava por entre as arvores e poderia ser facilmente confundido com uma assombração. Continuaram a descer, pisando a passadas largas tentando se aproximarem do homem; sobre as folhas secas e dos galhos secos das arvores derrubadas Harvy e Rol passavam até, enfim, verem entre as arvores distantes um brilho fraco e bruxelante. Chegaram então numa espécie de clareira onde no centro ardia em chamas uma pequena fogueira, no sopé da colina provavelmente.
Mal puderam dizer: “Chegamos”, que Rol já começou a perguntar:
— Como foi a viagem? O que encontrou?
Boreimdall estava de costas e se manteve em silencio. Então depois de um tempo o mercenário sentou-se próximo à fogueira e suas feições esqueléticas, porém firmes, se apresentaram; foi então que Harvy perguntou:
— Você esta bem?
— Sim, foi somente uma longa viagem com pouca comida. A propósito me desculpe pela pedra. Não tinha outra forma.
— Como sabia que estávamos aqui? – perguntou novamente, Rol.
— Sabendo. – riu solitariamente. Após ver que ninguém, além dele, ria então continuou. – Passei por suas casas e não havia ninguém lá; então vi essa festa aqui e então presumi que aqui estivessem. – afastou os cabelos da testa e completou. – Vi que acertei.
Harvy estava extremamente curioso para ouvir suas historias; sentou-se no chão junto da fogueira e perguntou:
— Como foi a viagem?
— Razoável. Ganhei mil moedas de ouro pelo serviço. – ao perceber que iria ser perguntado: qual fora o serviço. Adiantou: — Tive que livrar um vilarejo de um troll da montanha.
Houve um novo estouro de rojões no cume da colina e em seguida Rol perguntou.
— Onde esteve? Norte? Sul?
— Vim de uma longa caminhada. Percorri os profundos vales e os maiores picos de montanhas na volta. Estive no Reino da Aninteia... Este não é mais como era antigamente, quando eu ainda era jovem; o rei esta sendo corrompido pelas forças de Oroboros; as vilas não são mais unidas, é por isso que a sempre trabalho para mim lá.
Houve uma curta pausa. Boreimdall olhava timidamente para os garotos enquanto a luz bruxelante da fogueira iluminava parcialmente seu rosto.
— Bom, não os chamei aqui sem motivos importantes. Queria que... a propósito vejam uma coisa. – falou e se levantou, indo até uma trouxa de pano no chão, um pouco distante da luminosidade da fogueira; virou-se e revelou uma bela espada: lamina prateada, fina, com uma estreita rachadura que se estendia da ponta até aproximadamente o meio.
— Como rachou uma espada? – perguntou Harvy deslizando seus olhos pelo defeito. Embora não fosse conhecedor da arte da lamina, sabia que uma espada não rachava de forma prematura.
— Bem é isso que queria conversar com vocês.
— Trolls não poderiam ter feito, poderiam? – perguntou Rol ao analisar a espada.
— Não. Isso aconteceu pouco antes de entrar no Reino. Fui atacado por espíritos caídos.
— O que? – indagou Rol.
— São espíritos caídos. Talvez de bruxas que morreram e foram condenadas a pagar pelos seus mau-feitos. São esqueletos encapuzados que tiram seu espírito com a mão fria.
Enquanto ouvia Harvy sentia leves calafrios que percorriam sua espinha e levantavam os fios de sua nuca.
— É raro sobreviver a uma. Sei que isso parece algo comum, mas é que Oroboros está fechando o cerco. Dizem haver um salvador que irá destroná-lo. Isso explicaria seu “pânico”. – houve mais um estouro de rojões, seguida de uma curta pausa. – Durante minha estadia – prosseguiu aos olhos atentos dos garotos. – num bar à beira da estrada Nûr, ouvi dizer algo sobre rebeldes no Descampado.
— Rebeldes?
— Exato. Também achei algo estranho, pois os que se opuseram a Oroboros estão mortos, é claro. Porém esses rebeldes conseguiram matar um esquadrão de soldados do rei perto do Bosque Amarelo.
Desses lugares Harvy pouco conhecia, mas se atreveu a perguntar:
— Mas isso é um bom sinal?
Boreimdall assentiu.
— Estão num numero considerável. O que vim falar é que: estou pensando em me juntar a eles.
Para a surpresa de Harvy e do mercenário Rol exclamou:
— O que?! Você esta ficando louco em se unir a eles? Você pode morrer!
— Você se preocupa demais garoto.
— Boreimdall tem razão. – ponderou Harvy solenemente.
Logo os outros dois o olharam com olhos escuros e tensos. O brilho bruxelante da fogueira não ajudava em nada.
— Quero dizer: se estão tentando nos libertar de Oroboros, então quer dizer que precisam de toda e qualquer ajuda. – disse rapidamente o garoto.
— Concordo com você Harvy. É por isso que devemos nos unir a eles.
Foi neste instante que Harvy levantou-se. Não entendera muito bem o propósito da conversa com Boreimdall. Já estava acostumado com essas partidas do amigo.
— Já vai embora? – perguntou Boreimdall com olhar aturdido.
Harvy então respondeu por cima dos ombros, já estava subindo a colina.
— Sim, não sei quanto tempo fiquei aqui. Não quero preocupar meus pais, de novo.
Rol o imitou e Boreimdall falou colocando a espada dentro das brasas vermelhas da fogueira que já morria
— Vão em paz e lembrem-se do que foi dito esta noite. Amanhã estarei em paz na minha casa, se quiserem podem me visitar. Assim poderemos conversar melhor do que aqui, nesta clareira.
Ambos os garotos assentiram e retiraram-se. A volta para o cume não foi muito fácil, pois às vezes, Harvy pisava vacilante e escorregava sobre as folhas secas. Boreimdall era misterioso e a cada viagem que fazia, voltava ainda mais místico.
Os garotos prosseguiram até finalmente alcançarem o pico e viram que a festa já se desmanchava. Todos sabiam que os sulistas gostavam muito de festa, porém não gostavam de perdurá-la por muito tempo. Logo se encontraram com seus pais e juntos foram cada um para sua casa. Boreimdall continuou na clareira olhando para o fogo que morria lentamente, cuspindo cinzas no ar.